Anatomia corpoética em (de)composições: três corpus de práxis somática em dança

Abstract

A partir de um emaranhado de espirais poéticas suscitadas pela pesquisa, desenha-se uma prática de criação em dança movida pela Somática e que pode ser denominada de Anatomia Corpoética, isto é, a arte de sensibilizar a existência multidimensional e multirreferencial para a criação de mundos (im)possíveis. Promove-se, assim, um inventário de parâmetros para a criação em dança, que estimulam redes somáticas processuais e emancipatórias em movimento de crescimento. O tema fundamental aqui tratado é a integração de dois sistemas somáticos complexos e abertos – Body-Mind Centering™ (BMC) e Cadeias Musculares e Articulares GDS – em suas formas de mover anatomias corporalizadas, a fim de transformar a poética de processos de composição em dança. Para tanto, são identificados, descritos, tensionados, performados e somatizados três corpus de práxis somática em dança como um caminho poético à organização e corporalização da tese e dos processos artísticos movidos pelo autor: CorpoEstuário, CorpOásis e CorPoÉtico. Cada corpus se correlaciona, numa paráfrase alegórica, com ambientes específicos da natureza e com três folhetos embrionários ontogenéticos: endoderme (corpo da frente), ectoderme (corpo de trás) e mesoderme (corpo do meio). Partindo de narrativas em primeira pessoa e da Abordagem Somático-Performativa, são apresentadas, discutidas, dançadas e desenhadas cinco obras coreográficas que atravessaram a tese ao longo de seu desenvolvimento. Evidencia-se, sobretudo, uma virada epistemológica contemporânea pela definição da Somática como campo epistemológico contemporâneo ocidental transdisciplinar de ecologia profunda na primeira pessoa do plural. A busca pela promoção de uma cultura somática em processos de composição em dança solicita uma visão ampliada do campo da Somática como um modo de estar no mundo, para além de visões limitantes e disciplinares promovidas no século XX; por vezes, de forma reducionista, especialmente, quando nomeada como Educação Somática. Por meio das experiências artísticas movidas pela anatomia corporalizada da Somática, foram identificados três eixos temáticos discutidos ao longo dos três folhetos da tese: 1 – a Somática como campo epistemológico; 2 – a Dança em modulação de estados de presença: a mente das células; 3 – a Somática como modo de criação composicional embrionária/fluida em dança. Tais temas se relacionam, respectivamente, com os procedimentos artísticos processuais identificados como: a autorregulação organísmica, por meio dos fluidos corporais e dos padrões celulares, movendo multiplicidades; a organização da postura e do gesto funcional na construção da verticalidade, encontrando abertura; a experimentação criativa de movimentos no caminho da performatividade.

Starting from an entanglement of spiraling poetics that came into fruition with this research, we develop a practice of dance composition that is driven by Somatics, also known as Corpoet(h)ics Anatomy, or the art of sensitizing a multidimensional and multireferential existence to the creation of (im)possible worlds. This study provides an inventory of parameters for dance creation that drive procedural and emancipatory somatic networks towards a movement of growth. The fundamental theme addressed herein is the integration of two complex and open somatic systems: Body-Mind Centering™ (BMC) and the GDS Articulation and Muscle Chains. Both systems encompass embodied anatomy principles that hold the power to transform the poetics of dance composition processes into new scopes of possibilities. For this, we identify, describe, tension, perform and somaticize three bodies (corpus) of somatic praxis in dance as a poetic means to organize and embody the statements and artistic processes proposed: CorpoEstuário (CorpoEstuary), CorpOásis (CorpOasis), and CorPoÉtico (Corpoet(h)ics). Each corpus correlates, in an allegorical paraphrase, to specific natural environments as well to three ontogenetic embryonic layers: endoderm (front body), ectoderm (back body) and mesoderm (middle body). From the standpoint of first-person narratives and the Somatic-Performative Approach, we present, discuss, dance, and develop five dance pieces created simultaneously with this study (2016-2020). In this context, we shine light on the field of Somatics as a contemporary epistemological turn and support a new definition: a contemporary cross-domain Western epistemological field of deep ecology in the first-person plural. The search for the advancement of a somatic culture in dance composition processes calls for an expanded view of the field of Somatics as a way of existing in the world. This movement goes beyond the limiting disciplinary views that were common in the 20th century, when Somatics was usually, though reductively, referred to as Somatic Education. Based on artistic experiences driven by the embodied anatomy of Somatics, we discuss three thematic axes over the three layers of this dissertation: 1 – Somatics as an epistemological field; 2 – Dance in modulation of states of presence: the mind of cells; 3 – Somatics as a form of embryonic/fluid compositional creation in dance. These themes are related, respectively, to the artistic processes known as: organismic self-regulation, through body fluids and cellular patterns, moving multiplicities; posture and functional gesture organization to create verticality, finding openness; and the creative exploration of movements in the pathways of performativity.